Para obedecer a uma ordem judicial, o rapper Pablo Hasél, de 32 anos, deveria ter se entregado à polícia na última sexta (12). Ele então cumpriria uma pena de nove meses de prisão decretada em 2018 como punição pelo crime de glorificação do terrorismo e insultos à realeza da Espanha.
Em vez disso, Hasél se juntou a um grupo de apoiadores e se refugiou no prédio da Universidade de Lérida, cidade na região da Catalunha, na segunda-feira (15). Na manhã seguinte, porém, dezenas de policiais invadiram o prédio da instituição para prendê-lo.
Houve um breve confronto entre os agentes, armados e usando equipamentos de proteção, e o grupo do rapper, que jogou cadeiras e disparou extintores de incêndio contra os policiais. Então Hasél, conhecido por seu posicionamento político ligado à esquerda radical, foi preso.
— A vitória será nossa. Não haverá esquecimento nem perdão – gritou ele, como punho levantado, cercado pela polícia ao ser preso. Em retrospecto, a frase pareceu um prenuncio dos atos que se seguiriam.
Nesta terça-feira (16), milhares de pessoas se organizaram em protestos exigindo a libertação do rapper em cidades da Catalunha ou próximas à região, como Barcelona, Lérida, Valência, Vic e Girona.
Houve embates entre manifestantes – que incendiaram lixeiras e, em alguns casos, saquearam lojas e depredaram outros imóveis – e policiais, que reagiram com golpes de cassetete e balas de espuma (semelhantes às de borracha) para dispersar as multidões.
Ao menos 18 pessoas foram presas e 55 ficaram feridas, incluindo 25 agentes, de acordo com a polícia regional da Catalunha, que classificou os atos como “incidentes muito graves” em que os participantes “destruíram tudo o que encontraram em seu caminho”.
As autoridades catalãs informaram que a polícia “fortaleceu áreas sensíveis” para evitar distúrbios, mas as cenas se repetiram nesta quarta (17) em Madri e Barcelona, onde milhares foram aos atos.
Na capital, os protestos foram inicialmente pacíficos, com manifestantes batendo palmas e cantando “sem mais violência policial” e “liberdade para Pablo Hasél”. Alguns participantes, porém, começaram a jogar garrafas de vidro e pedras contra policiais, que avançaram contra a multidão empunhando cassetetes. Em meio à confusão, ativistas atearam fogo em contêineres e criaram barricadas.
O cenário foi parecido em Barcelona. Quando os manifestantes começaram a atirar objetos contra os veículos blindados, a polícia respondeu com balas de borracha, atiradas na altura do rosto. À medida que os tumultos pareciam diminuir, boa parte das mas do centro de Barcelona estavam tomadas pela fumaça de lixeiras em chamas.
A prisão de Hasél reacendeu o debate sobre a liberdade de expressão na Espanha.
O motivo de sua condenação é um conjunto formado por publicações no Twitter e por letras de suas músicas em que ele compara juízes e policiais espanhóis a nazistas, classifica o rei emérito Juan Carlos como “chefão da máfia” e se refere à monarquia como “mercenários de merda”.
Pouco antes de ser preso, o rapper republicou imagem que reúne as postagens alvos de investigação.
— Tuítes pelos quais eles vão me prender em alguns minutos ou horas. Literalmente por explicar a realidade. Amanhã pode ser você – escreveu Hasél para seus mais de 130 mil seguidores.
— Não podemos permitir que nos ditem o que dizer, o que sentir e o que fazer. As injustiças têm alguns culpados e eu os apontei em alto e bom som, com raiva legítima e necessária – seguiu rapper.
Mais de 200 artistas, incluindo o cineasta Pedro Almodóvar e o ator Javier Bardem, assinaram uma petição se opondo à prisão do rapper. O abaixo-assinado compara a Espanha a países como Turquia e Marrocos, onde artistas e opositores do governo vivem em risco iminente de detenção.
— A prisão de Pablo Hasél torna ainda mais evidente a espada de Dâmoeles pairando sobre as cabeças de todas as figuras públicas que se atrevem a criticar publicamente as ações de qualquer uma das instituições – diz o manifesto.
Na semana passada, o governo central da Espanha anunciou o início de uma reforma na Lei de Segurança Cidadã, que impõe restrições à liberdade de expressão e ficou conhecida como “Lei Mordaça”.
De acordo com a legislação, as publicações e músicas de Hasél podem ser enquadradas como “glorificação ao terrorismo” pelas referências ao ETA (o antigo grupo paramilitar separatista basco que se dissolveu em 2018), e como incitação à violência pelas críticas aos policiais e à monarquia.
A porta-voz Maria Jesús Montero afirmou que o governo do premiê Pedro Sánchez está disposto a “fornecer uma estrutura mais segura para a liberdade de expressão” por meio da reforma na lei. O governo disse ainda que a reforma introduzirá penas mais brandas em vez de prisão.
A “Lei Mordaça” foi promulgada em 2015, durante o governo do conservador Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP). O objetivo declarado era proibir a glorificação da violência de grupos armados como o ETA e coibir insultos às religiões ou à monarquia.
Apesar de ter sido condenado a nove meses de prisão, Hasél pode ter a pena aumentada para mais de dois anos porque a sentença inclui uma multa que o rapper se recusou a pagar. Outros espanhóis indiciados sob a “Lei Mordaça” também rejeitaram paga-la.
Os problemas de Hasél com a Justiça espanhola podem, entretanto, ser ainda maiores.
Em sua ficha, ele tem outra condenação por atos semelhantes, mas o cumprimento da sentença estava suspenso. Além disso, ele aguarda pareceres da Justiça sobre duas outras sentenças das quais recorreu: uma por agredir um jornalista e outra por agredir uma testemunha durante uma audiência no tribunal.